Advogado, político e professor da Faculdade de Direito, Armando Câmara Marcon por inteligente, digno e erudito. Foi um católico fervoroso. Sua bondade, calor humano e humor fino fizeram-no muito estimado por todos. Tanto que era comum grupos de alunos visitarem-no no “Solar dos Câmara” na Duque de Caxias.
Numa dessas ocasiões, polegares no colete, fronte alta, voz séria e formal, caminhando grave pelo gabinete da casa,contou-lhes este episódio, em seu linguajar característicos.
“Na semana passada, como faço sempre, peguei o bonde Duque, na Praça XV, para vir para casa. O gaiola cheio, entrei com dificuldade. Foi quando notei um cidadão que olhava para mim sorrindo. Como não o conhecia, não dei maior atenção. Arranjei um canto e lá fiquei, de.pé.
O bonde passava pela praça da Alfândega. Virei-me para olhar não sei o quê, e lá estava o mesmo sujeito, riso fácil, a encarar-me. Não gostei. Por quem me tomava, afinal? Fingi que não era comigo e desviei-me, procurando esquecer o assunto.
O gaiola acabara de contornar o Correio do Povo e corria desabalado pela Rua da Praia. Ocorreu-me a infeliz idéia de espiar o tal indivíduo. Continuava a fitar-me, os lábios debochados emoldurndo-lhe os dentes. Irritado, virei-lhe as costas e, aproveitando que a maioria já descera, acintosamente caminhei para a outra extremidade do vagão, onde consegui assento.
Tudo inútil. Tão logo o bonde venceu a Vasco Alvez e entrou na Duque de Caxias, o marginal veio atrás, quase às gargalhadas, olhando para mim com escárnio e zombaria.
Vibrei de alegria e emoção. Quem vinha subindo a Ladeira? A vítima da minha brutalidade! Era a oportunidade para redimir-me. Abri os braços e desci a seu encontro pedindo perdão, enquanto clamava: irmão! Irmão!
Ele, ao ver-me, arregalou os olhos numa expressão de pavor, girou sobre os calcanhares e precipitou-se ladeira abaixo, aos gritos:
- É o louco do bonde! É o louco do bonde!
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