Já falamos aqui sobre o Senhor Celso Gonzaga, ele trabalhou na Cia. Carris entre os anos de 1967 e 1971. Seu pai, o Senhor Luiz Gonzaga Porto, foi funcionário da Carris por trinta e dois anos, ou seja, uma vida de trabalho dedicada a Companhia. O Senhor Celso cresceu visitando as garagens da Carris na Avenida João Pessoa e, mais tarde, trabalhou na nova sede na Rua Albion. No ano de 2002 a Cia. Carris lançou um concurso para comemorar os 130 anos da instituição. O nome do concurso foi "Relatos da História da Carris", para concorrer era necessário inscrever crônicas que falassem sobre os temas bonde ou Carris. O Senhor Celso resolveu aproveitar as suas lembranças de infância e juventude e inscreveu três crônicas contando as suas memórias. Infelizmente, naquele momento, as crônicas do Senhor Celso não foram selecionadas. Agora, entretanto, escolhemos algumas destas crônicas para serem publicadas em nosso blog. Hoje iremos transcrever trechos do texto intitulado: "Graspa no cafezinho", bem no clima do friozinho que está fazendo hoje:
"Graspa no cafezinho"
"Sendo admitido em março de 1967, trabalhei por quatro anos na Companhia Carris Porto-Alegrense, quando a sua sede ainda era ali, na av. João Pessoa, número 325. Como Técnico Industrial em Máquinas e Motores, desenvolvi atividades de assessor do Engenheiro Chefe da Divisão de Mecânica e Elétrica até a extinção dos bondes em março de 1970. Depois passei ao setor de ônibus até a minha saída da empresa em 1971. (...) um fato de destaque que vem a memória, se relaciona com o inverno daquela época. O frio era de respeito e o minuano era rigoroso, daquele que mesmo se estando cheio de roupas, parecia que ele atravessava tudo e inclusive o próprio corpo, gelando até os ossos. O prédio onde estavam instaladas as oficinas era aberto, e por isso, vulnerável a circulação do frio nas suas dependências. Durante o expediente era normal que eu circulasse em todos os setores fazendo uma supervisão a tudo que se estava fazendo, até para uma eventual orientação técnica em alguma operação. Tínhamos naquele tempo, o horário sagrado de quinze minutos para o cafezinho. Pela manhã, das 9 horas às 9h 15min. À tarde, das 15h às 15h 15min. A sirene soava e tudo parava. Ao novo toque, quinze minutos depois, o silêncio era quebrado e tudo voltava à atividade normal. A minha mesa de trabalho era na sala de um veterano e respeitado funcionário da casa, seu Eugênio. De muito valeram nossas conversas em que ele abertamente falava de sua experiência. Ao primeiro toque da sirene, anunciando o intervalo, seu Eugênio sentava à sua mesa e seu cafezinho era imediatamente servido pelo Rosa, ex-jogador do E. C. Nacional na década de cinquenta, e que na Carris tinha a função de contínuo no escritório das oficinas, realizando os serviços gerais. Ao som da segunda sirene, seu Eugênio levantava automaticamente, batia a mão espalmada sobre a mesa, e pronunciava a célebre frase: 'Vamos pegar no pesado'. Dito isso, saía com as mãos para trás, a circular pelas oficinas, supervisionando a atividade de cada funcionário. Mas o horário de cafezinho, naqueles invernos rigorosos, tinha um aspecto especial. Eustáquio, escriturário no escritório das oficinas era um moço magrinho, sempre disposto e muito divertido. Não se sabe de onde, ele conseguia uma graspa muito forte, daquela que se toma pura, começava a queimar a garganta, continuava pelo esôfago e terminava queimando o estômago. Para quem não conhece, a graspa é uma aguardente obtida pela destilação dos bagaços de uva após a fermentação. E quem já provou cachaça pura, coloque um pouco mais de fortidão em cima dela para imaginar a graspa. No horário do intervalo, enquanto o Rosa servia o cafezinho bem quentinho, o Eustáquio passava com uma garrafinha de Pepsi-Cola, e pingava uma gota de graspa nas xícaras. Lembro de um, pelo menos, que não misturava a graspa no café que era o Rosa, pois não fumava e nem bebia de jeito nenhum. Mas nós que aceitávamos a oferta do Eustáquio retornávamos do intervalo suando, mesmo que a temperatura estivesse zero graus ou até menos. A aquecida no corpo ajudava a vencer o frio que se espalhava naquele descampado que eram as oficinas. E olhe que a dose era pequena. Qualquer exame de teor alcoólico eventual, certamente não acusaria presença de álcool no organismo. Era uma dose "homeopática" de graspa muito pequena, mas seu efeito, era muito grande. Os invernos de hoje já não são tão rigorosos como os daqueles tempos. Certamente não muito mais que um cafezinho bem quente, é suficiente para abrandar o frio. A graspa fica de desculpa para aqueles mais 'curtidos', e que aproveitam a hora para uma dosagem não de gota, mas meio a meio. Naquela época a graspa tinha uma função inocente.
Em tempos politicamente corretos, não podemos indicar a experiência de seu Celso como dica para espantar o frio. Em todo caso, fica o registro curioso de como o inverno era encarado em outros tempos.
Foto do Senhor Luiz Gonzaga Porto, pai do Senhor Celso.
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