sexta-feira, 7 de julho de 2017

Memórias de um Motorneiro

     O título deste texto está incompleto... Na verdade o Sr. Pedro Carneiro Rodrigues foi condutor, motorneiro e fiscal nos bondes elétricos da Cia. Carris. Trabalhou na empresa entre 1938 e 1971, trinta e três anos, portanto, de dedicação à Carris. 
    Organizando algumas das pastas de documentação encontramos um pouco da história do Sr. Pedro aqui na empresa. Em um material de nove páginas datilografadas, o ex funcionário relembra algumas histórias de sua trajetória nos bondes de Porto Alegre. Já num primeiro momento é possível constatar que o Sr. Pedro era "muito esquentado", pois a maioria das histórias são de relatos de brigas em que ele se envolveu. Em um dos relatos o autor conta sobre uma confusão que envolveu um inspetor e um chefe de polícia. O texto tem o sugestivo nome de "Abuso de Autoridade" e encontra-se transcrito abaixo: 
 "(...) Houve um incêndio no Club de Regatas Almirante Barroso na Rua Voluntários da Pátria. Eu fiquei com o bonde transportando os passageiros (baldeação) da Rua do Parque até o fim da linha. Uma moto saiu do local do incêndio e foi pela linha do bonde, apesar da via dos outros veículos ser fora dos trilhos do bonde. Eu fui atrás da moto até a Rua São Pedro. Após a Av. Farrapos a linha do bonde é no meio da rua (linha única), daí em diante eu toquei o bonde em cima tocando o tímpano (sineta). Na parada seguinte o motoqueiro parou e eu olhei para ver se ele era normal. Ele tocou para a outra parada e veio me identificar. Eu perguntei o porquê, aí ele se identificou como inspetor de polícia e mandou eu tocar o bonde para o fim da linha. 
    No fim da linha chamou o guarda civil que cuidava dos pedestres que passavam dos bondes Florestas para o São João com baldeações. Quando o guarda chegou perto, ele me agarrou e me empurrou para fora. Eu o agarrei pelo casaco e levei-o junto, como ele ficou no ar eu bati o corpo dele contra o bonde. Mandou o guarda me prender, dizendo que eu estava resistindo a prisão e me deixou incomunicável com o guarda e chamou o camburão.
    Me levou para a delegacia na Rua Riachuelo e me deu um chá de banco de toda a tarde, até o delegado ir embora. Passei a tarde ouvindo piadas de outros policiais: 'esse é o tigrinho, o valente?' Até que chegou o chefe deles, que chamou o fiscal de viagem que foi levado por não me substituir. Expliquei o que aconteceu e ele perguntou ao cara se eu estava calmo assim como no momento. O cara disse que não, que eu parecia uma fera, queria té dar de alavanca nele. Eu disse que ele estava faltando com a verdade. Eu tinha na mão a chave de reversão e se eu quisesse agredi-lo podia, porque a chave na mão é o mesmo que uma soqueira (soco inglês), mas eu não faria isso porque ele já havia se identificado como policial. Diante do chefe ele me desafiou, que iria me encontrar e resolver o caso. 
      Eu disse ao chefe que aquele cara não podia ser policial, que ele era um arruaceiro. O fiscal me disse: 'Vamos embora, não de conversa a estes bichos". Para quê! O chefe perguntou se ele era filho de cavalo, vaca ou de outro bicho. Eu expliquei que era gíria e que gente fina era chamada de bicho pelos pobres (...)". 
   Lendo o restante das memórias do Sr. Pedro ficamos sabendo que esta não foi a única confusão que ele arrumou nos bondes.... Além das histórias das encrencas em que se envolveu, o autor também conta um pouco sobre o cotidiano da cidade naquele período. Em um dos seus textos, por exemplo, é lembrada a prática de encomendar remédios por telefone nas  farmácia e estas enviarem os pacotes pelo motorneiro. O ex motorneiro conta que eram pagas gorjetas aos trabalhadores dos bondes quando prestavam este serviço.
  São muitas as histórias divertidas presentes neste material. Em outro momento iremos publicar aqui no blog mais memórias do Sr. Pedro Carneiro Rodrigues, ex trabalhador dos bondes elétricos de Porto Alegre. 

Tripulação dos bondes em 1965. Não temos a identificação dos nomes dos funcionários.