sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O Bonde Petrópolis



" Uma velha tia, sempre tomava conhecimento de que alguém teve uma conduta condenável ( principalmente se era da família), dizia: " Alguém tem que colocar essa criatura nos trilhos". " Os bondes são o melhor exemplo a ser seguido pelas pessoas que querem andar pelos trilhos certos da vida, pois eles não saem dos trilhos, e quando saem logo voltam", dizia minha tia olhando para nós, os sobrinhos.
Em 1958, ao completar 18 anos, recebi a autorização do meu pai para chegar a qualquer hora em casa. Meu presente foi além de uma calça "boca 18". Uma chave da porta frente, como se dizia. Naquela época ainda era assim. Minha mãe não gostou muito dessa liberdade de horário, porque até aquele momento, sempre eu chegava depois das 23 horas, tinha que bater na janela do quarto dos "velhos"! e esperar que um deles abrisse a porta para mim. Geralmente quem abria a porta era a minha mãe.
Morávamos em Petrópolis, quatro quadras do fim da linha do bonde, que era na esquina da Rua Carazinho com a Avenida Protásio Alves. De madrugada ouvia-se o ruído forte das rodas do bonde sobre os trilhos, chegando no fim-da-linha. Nas madrugadas de sábado e de domingo , minha mãe ficava esperando o "bonde coruja", que passava pelo Abrigo da Praça XV, mais ou menos às 3 horas da manhã, quando ainda a Boite Tabaris ia em meio às suas noitadas. Ela era sobre o abrigo, e a gente chegava até lá subindo por uma escadinha estreita no centro ( escada que eu nunca me animei a subir, porque não tinha dinheiro nem para pagar a entrada, quanto mais para a consumação com umas das "moças" frequentadoras habituais). A música era ao vivo. Nunca soube que tivesse havido alguma baderna na Tabaris.
Até mais ou menos meus 21 anos, nos find de semana, minha mãe só dormia depois das três e meia ou quatro horas, pois ficava esperando ouvir o barulho do "bonde coruja" chegando no fim da linha, travando, trocando a alavanca e voltando. Quinze ou vinte minutos depois, eu chegava em casa.
Lá por 1959, passei a usar uma linha de ônibus que passava em frente a nossa casa, depois da meia-noite, de uma em uma hora. Aquela comunicação entre o bonde e minha mãe foi muito especial. Até hoje ela conta que vez ou outra sonha e acorda sobressaltada, por ter ouvido o bonde chegar no fim-da -linha. A única vez que sai dos trilhos, segundo minha mãe, foi quando comecei a andar de ônibus, mas ai a velha tia já não existia mais.

Brinckmann,JORGE - Concurso: " Relatos da História Carris 130 anos" -Porto Alegre, 2002.

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