Neste ano estamos comemorando os 110 anos de nascimento do artista Antonio Caringi Filho. Natural de Pelotas, este foi um dos maiores escultores do Rio Grande do Sul. É possível que muitos de nossos amigos não conheçam o seu nome, a sua obra entretanto, é conhecida por todos os moradores de nossa cidade. Antonio Caringi Filho foi o artista responsável pela escultura de Bento Gonçalves (que encontra-se na avenida João Pessoa) e pelo Laçador, escultura que é um dos símbolos do Rio Grande do Sul. Nosso amigo Carlos Roberto Saraiva Costa Leite, que já colaborou conosco em outras ocasiões, escreveu um belo texto falando sobre a vida e as obras produzidas por este artista. Postamos o texto a baixo para que nossos leitores possam conhecer mais sobre este importante artista plástico.
Carlos Roberto
Saraiva da Costa Leite*
É notória
a contribuição do gaúcho nas mais diversas áreas do conhecimento. No universo
da Arte, um nome deixou sua marca indelével de criatividade e talento: Antônio
Caringi Filho (1905- 1981).
Nascido em Pelotas, no dia 25 de maio
de 1905, o “Escultor dos Pampas” era filho de Antônio Caringi, conhecido
chapeleiro, e de Josephina Sicca Caringi. Em Bagé, completou o
ensino primário e ginasial, bacharelando-se, na capital gaúcha, em Ciências e
Letras. Neste ano de 2015, comemora-se
110 anos deste notável representante das Belas Artes
Desde menino, nosso
renomado escultor demonstrava sua aptidão artística. Com o professor
Francis Pelichek, estudou desenho no Instituto de Belas Artes. No ano de 1925,
participou do Salão de Outono na capital gaúcha, expondo alguns de seus
trabalhos. Este evento tornou público o talento do jovem artista, despertando
admiração de todos os presentes. Em setembro de 1925, a revista carioca Ilustração
Brasileira registrou:
“ Caringi
(Antônio Caringi Filho) é um grande escultor... de 18 anos que deve
apenas à própria e maravilhosa intuição tudo o que sabe. Que energia singular
lhe dá à obra tão funda expressão de força e de beleza! ”
Conquistando com sua arte o mundo, Caringi difundiu seus trabalhos, em
galerias particulares e oficiais nas cidades de Munique, Berlim, Nápoles,
Havana e Nova Iorque.
Cidadão cosmopolita,
o nosso artista conviveu com Hans Stangl, Hermann Hahn e Arno Breker (o
escultor preferido de Hitler), com os quais aprimorou sua técnica, angariando
notoriedade na qualidade de escultor. O contato com esses mestres
se deu a partir de sua viagem à Europa, em 1928, como adido cultural no
Consulado do Brasil em Berlim. Na cidade de Munique cursou Escultura na
Academia de Belas Artes, especializando-se, depois, na cidade de Berlim, em
plástica monumental com a figura ícone de Arno Breker.
Seus momentos de
intenso fluxo de aprendizado e criação contrastam com os horrores da Segunda
Guerra (1939-1945). Em entrevista realizada pelo saudoso
pesquisador Rodrigues Till, a filha do escultor, Fernanda de Assumpção Osório
Caringi, declarou que seu pai auxiliou muitos judeus a obterem visto em seus
documentos, visando a emigrarem para o Brasil. À noite, por motivo de segurança,
Caringi, em seu carro, deslocava--se para outros lugares, evitando, desta
forma, deparar-se com a surpresa de um bombardeio.
Concluído os dez
semestres de seu curso, em Munique, Caringi realizou importantes trabalhos que
lhe encomendavam do Brasil. Entre outros, destaca-se o monumento a Bento
Gonçalves da Silva (1788- 1847), Presidente da República Rio-grandense. Este
monumento foi esculpido em seu atelier na cidade de Munique. Inaugurado, em 15
de janeiro de 1936, com a presença de Caringi, constituiu-se num grande evento
cívico no encerramento das comemorações do Centenário Farroupilha (1835-1935).
durante a gestão do prefeito Alberto Bins (1869-1957), Cinco anos
transcorridos, essa estátua foi transferida para a Praça Piratini. O
Correio do Povo, o jornal mais antigo em circulação, na capital gaúcha,
anunciou o evento na edição dominical de 12 de janeiro de 1936:
“Quarta-feira
próxima será solenemente encerrada a Exposição do Centenário Farroupilha, o
certamen máximo da América. O programa desse dia é extenso e deverá servir para
encerrar de uma maneira brilhantíssima o grandioso certamen,que teve
repercussão internacional”
A Revista do Globo
(1929-1967), verdadeira referência cultural da mídia impressa em nosso Rio
Grande, registrou a trajetória cultural do mestre Caringi na Alemanha,
constituindo-se em importante fonte para os pesquisadores. Entre outras
matérias, a edição de 26 de setembro de 1931, que faz parte do acervo do Museu
da Comunicação Hipólito José da costa, com o título “Uma das glórias do
Brasil moço”, comentou:
“Acha-se
em Munique, em estudos de aperfeiçoamento, o jovem escultor porto–alegrense A.
Caringi. Temos o prazer de estampar nesta página a reprodução de alguns
trabalhos do vigoroso artista. (...)”.
Na condição de diretor da Revista do
Globo, a partir de 1932, Erico Veríssimo (1905-1975) deu destaque ao
talento de Antônio Caringi, Nessa importante revista, foi publicada uma série
de artigos sobre o jovem e talentoso artista. Nosso escritor, também, foi
homenageado por Caringi que o retratou numa escultura. Erico e Caringi foram
contemporâneos, pois ambos nasceram em 1905. Além do fato cronológico, é a
história do Rio Grande do Sul que está presente em suas obras. O primeiro, em
sua genial produção “O Tempo e o Vento”, desenvolveu a história da
formação do Rio Grande do Sul, enquanto o segundo elegeu como temática, em
muitas de suas esculturas, a figura do homem gaúcho.
Antônio Caringi
retornou para Brasil, em 1940, trazendo em sua mala a experiência sofrida da
guerra e a fama de “Escultor dos Pampas”. Dois anos depois, em setembro, ele se
casou com a poetisa Noemi de Assumpção Osório, também, natural de Pelotas.
Desta união nasceram seis filhos.
Entre seus
importantes trabalhos, destaca-se a estátua “O Laçador”. Inaugurada, em 20 de setembro de 1958, está
presente no imaginário popular como um marco de gauchicidade, sendo reproduzida
em postais, cartazes, chaveiros e camisetas que povoam as lojas que fomentam o
turismo no estado.
A ideia de
criar um monumento, que representasse a cultura e a tradição do povo gaúcho,
remete-nos ao Centenário da Revolução Farroupilha (1935) e ao ano de 1940 na
gestão do prefeito Loureiro da Silva (1902-1964).
Por ocasião das
festividades do Centenário Farroupilha (1935), organizado pelo prefeito Alberto
Bins (1869-1957), foi aprovado, em concurso, a escultura do artista Marcos
Bastos. Este trabalho, denominado de Bombeador, representava um gaúcho a
cavalo, tendo recebido, na época, efusivos elogios das autoridades e do
escritor Alcides Maya (1878-1944), primeiro gaúcho a ingressar na Academia
Brasileira de Letras (ABL) em 1914.
Passados cinco anos, em 1940, O prefeito José Loureiro da
Silva (1902-1964), durante os festejos do Bicentenário de fundação de Porto
Alegre, propôs a inauguração de um monumento que representasse a cidade. Nessa
ocasião, o prefeito se lembrou da escultura premiada de Marcos Bastos para ser
colocada na entrada da Avenida Farrapos. Naquela época, o ano de 1740 era
considerado o marco da fundação de Porto Alegre, porém, em 1971, um documento comprovou o equívoco histórico, mudando-se àquela
data para 26 de março 1772. Com o título “Um Monumento na Avenida
Farrapos“, o jornal A Nação, de 18 de maio de 1940, registrou a
proposta de Loureiro da Silva na seção de Diversas Notícias:
“
Ao que estamos informados, o prefeito Loureiro da Silva pretende enriquecer o
patrimônio artístico da cidade com uma obra de real mérito escultural e
profunda significação rio-grandense. Trata-se da fundição, em proporções
gigantescas,da maquete intitulada Bombeador, de autoria do escultor Marcos
Bastos, para colocação na entrada da Avenida Farrapos (...)”.
O ideal
de Loureiro da Silva não se concretizou, pois a estátua não saiu da maquete de
gesso. Infelizmente, apagou-se da memória esse monumento e seu idealizador,
Marcos Bastos, que, também, foi um dos organizadores do Pavilhão Cultural da
monumental Exposição do Centenário Farroupilha (1935) durante o governo do
general Flores da Cunha (1880-1959). O Correio do Povo de 12 de janeiro
de 1936, na página 10, fez o registro fotográfico da escultura “O Bombeador”. A
denominação, que o local recebeu de Parque Farroupilha, é uma referência a este
importante evento que assumiu dimensões internacionais.
Dentro do contexto
político do Estado Novo (1937-1945), criado por Getúlio Vargas (1882-1954), os
partidos políticos foram extintos, queimaram-se as bandeiras estaduais e foram
banidos os símbolos regionais. É provável que, naquele período de intensa
repressão política, o projeto de Loureiro da Silva, em inaugurar uma estátua
que exaltasse os ideais farroupilhas, não se concretizasse.
Ainda transcorreriam
dezoito anos, para que, finalmente, pelas mãos talentosas de Antônio Caringi, o
ideal do prefeito José Loureiro da Silva se concretizasse. Inaugurada em
20 de setembro de 1958, “O Laçador” marcou as comemorações do 123º aniversário
da Revolução Farroupilha (1835-1845). Medindo quatro metros e quarenta
centímetros de altura e pesando em bronze três mil e oitocentos quilos, a
estátua teve várias denominações: Bombeador, Boleador e, finalmente, Laçador. Além
desta obra que é considerada um ícone da tradição gaúcha, várias personalidades
foram imortalizadas pelas mãos de Caringi, como: Getúlio Vargas (1882-1954),
Loureiro da Silva (1902-1964), Raul Pilla (1892-1973), Alcides Maya (1878-1944)
Daltro filho (1882-1938), entre outros.
“O Laçador” nasceu no
Rio de Janeiro, no ateliê de Caringi, na Praia de Botafogo. Durante as
festividades do IV Centenário de São Paulo. A estátua esteve exposta no Parque do
Ibirapuera no Pavilhão do Rio Grande do Sul. Adquirida pela Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, foi inaugurada, na entrada da Avenida Farrapos numa
homenagem à figura do gaúcho. Antônio Caringi se inspirou na
figura do homem campeiro, tendo sido modelo, durante a execução da obra, o
tradicionalista João Carlos d’Ávila Paixão Côrtes, nascido, em Livramento, no
dia 12 de julho de 1927.
Como patrimônio
da cidade, por lei complementar nº 279 de 17 de agosto de 1992, “O Laçador” foi
tombado, pela Secretaria Municipal da Cultura, de acordo com edital publicado,
na imprensa, em 17 de julho de 2001. Ainda, em 1991, por votação popular,
a estátua foi considerada símbolo oficial de Porto Alegre, confirmando a
expressão “Vox Populi Vox Dei“ (A voz do povo é a voz de Deus).
Antes da inauguração
oficial d’O Laçador, ocorreu uma homenagem junto à estátua de Bento Gonçalves
da Silva (1778- 1847) na Praça Piratini, cujo trabalho, também, foi executado
por Antônio Caringi.
No ato de sua
inauguração, em 20 de setembro de 1958, o prefeito Leonel de Moura Brizola
(1922-2004) discursou, na Praça do Bombeador, destacando a grandeza do Rio
Grande, seu povo e sua tradição. Suas palavras emocionaram a multidão presente.
Alguns consideram que seu discurso foi fundamental para alavancar sua campanha
para governador do estado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Os
detalhes do evento foram registrados pelo “Correio do Povo” de 21 de
setembro de 1958.
Passados quarenta e oito
anos, desde a sua inauguração, o monumento foi transferido, em 11 de março de
2007, para o Sítio do Laçador, localizado em frente ao antigo terminal do
Aeroporto Internacional Salgado Filho, numa distância de seiscentos metros do
seu antigo lugar. O monumento se encontra numa elevação que recebeu a
denominação de Coxilha do Laçador. Os custos financeiros foram de um
milhão de reais e o motivo de sua transferência foi a construção, naquele
local, do Viaduto Leonel Brizola.
Na ocasião da sua
transferência, o tradicionalista Paixâo Côrtes, que serviu de modelo a Caringi,
não acompanhou a mudança da estátua, em virtude de uma hospitalização, causada
pela emoção de ver o monumento transferido do local onde fora inaugurado em
1958.
Há discussões quanto à representatividade
da estátua “O Laçador” como símbolo de Porto Alegre. Estas questões se elucidam
a partir de pesquisas aprofundadas, acerca da formação histórica da nossa
cidade, realizada por importantes nomes da nossa historiografia, como Sérgio da
Costa Franco, Sandra Jatahy Pesavento (1946-2009), Helga Piccolo, Vera Maciel
Barroso, Zita Possamai, entre outros abnegados pesquisadores, que garimpam, nos
arquivos e bibliotecas, as informações tão esclarecedoras acerca do nosso
passado.
O jornalista Walter
Galvani em seu livro, “A difícil Convivência” (2013), aborda com muita
propriedade a situação política de Porto Alegre no contexto da Revolução
Farroupilha (1835 -1845). Os grandes centros urbanos à época, como Rio Grande,
Pelotas e Porto Alegre, permaneceram na maior parte do tempo em poder dos
imperiais. A ideia, de que a capital comungava com os ideais farroupilhas, é
equivocada.
Um breve histórico pode nos
esclarecer quanto a esta discussão sobre a legitimidade da estátua “O Laçador”
constituir-se em símbolo de Porto Alegre. Invadida pelos farroupilhas em
20 de setembro de 1835, a capital da Província retornou ao poder imperial, em
15 de junho de 1936, sob o comando do major Manuel Marques de Souza
(1804-1875), futuro Conde de Porto Alegre. Embora as tentativas de retomá-la
novamente, não houve êxito por parte dos revolucionários, que a sitiaram por
três vezes, entre 1836 a 1840, permanecendo a mesma nas mãos dos legalistas até
o Acordo de Paz de Ponche Verde em 1845.
Por ter resistido ao cerco
dos farroupilhas, a capital gaúcha recebeu do imperador D. Pedro II, em 1841, o
título de “Leal e Valorosa Cidade de Porto Alegre”, registrado no Brasão
da cidade que foi criado pela lei 1030, em 22 de janeiro de 1953. A lei foi
assinada pelo prefeito Ildo Meneghetti (1895-1980), sendo o responsável pelo
desenho o artista Francisco Bellanca (1895-1974).
Diante da realidade dos
fatos históricos, somos direcionados a refletir... Por que um monumento,
inaugurado com grande destaque, no dia 20 de setembro, data magna da Revolução
Farroupilha (1835-1845), é símbolo oficial de uma cidade que recebeu do
imperador um título por sua lealdade ao regime monárquico?
Há os que defendem
que a estátua representa o Rio Grande do Sul, pois o arquétipo do gaúcho
campeiro se insere dentro do contexto da nossa formação histórico-cultural.
Ainda que “O
Laçador” suscite discussões quanto à sua representatividade, como símbolo de
Porto Alegre, ele segue, ao longo dos anos, recebendo quem chega a nossa cidade.
Como um velho amigo, ele abraça todos com o laço da hospitalidade gaúcha.
A última obra de Antônio Caringi foi um Cristo Crucificado.
Enquanto esculpia, nosso artista sofreu um acidente vascular cerebral, vindo
depois a falecer. O criador
de “O Laçador” nos deixou, no dia 30 de maio de 1981, para esculpir querubins
no céu.
*Pesquisador e Coordenador do setor de Imprensa do
Museu da Comunicação
Hipólito José da Costa.
Referências Bibliográficas
ASSIS
Luiz Antônio; GOMES, Paulo. Antônio Caringi
– O escultor dos pampas. Porto Alegre,
Ed. Nova Prova, 2008.
GALVANI, Walter. A Difícil
Convivência. Porto Alegre: Ed. AGE,
2013.
PAIXÃO, Antonina Zulema. A
escultura de Antônio Caringi – Conhecimento, Técnica e Arte. Pelotas:
Pelotas, Ed. Universitária UFPel, 1988.
TiLL, Rodrigues. Antônio Caringi –
O escultor do Rio Grande do Sul em seu centenário. Porto Alegre, Ed.
Evangraf, 2005.
Jornal: Diário Popular, Pelotas,
RS / 18 de maio de 2015
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