A história reproduzida aqui é de autoria de Clovis Milton Duval Wannmacher, natural de Porto Alegre e vencedor do concurso de relatos de histórias de bonde, realizado em 2002.
A última viagem de bonde
Desci a Rua Clara até a Rua da Parais e corri em direção à parada de bonde, o frio castigando as pernas por causa das calças curtas. Em seguida ouvi o rangido do bonde Gasômetro. Era um bonde Gaiola, cantando e dançando sobre os trilhos.
Tem lugar, vamos dar um passinho ao fundo do corredor, repetia o motorneiro. Não dei bola e sentei-me num banco lateral da frente, de onde podia bisbilhotar os outros passageiros. Para me distrair comecei a ler os reclames afixados no bonde. Lá estava o xarope Bromil, o amigo do peito. E eu, que tinha chiado no peito, fiquei a matutar se algum dia ainda consideraria o Bromil tão amigo quanto o Heron, meu colega da quarta-série e filho de um cobrador de bonde. Aquele sim, era meu amigo do peito. A gente matraqueava até nas aulas de religião. Também, quem poderia agüentar quieto o padre Horácio, mais xarope do que o tal de Bromil
O bonde parou em frente à Pharmacia Carvalho. Na fachada havia reclame da Tomada São Lázaro, um santo remédio. Mas como é que um remédio podia ser santo? Só que o São Lázaro fazia tomada, e o padre Horácio benzia as latinhas. Vi de relance a mulher da Pharmacia Carvalho, bem bonita, apesar de já ter mais de 20 anos.
Continuei lendo os reclames. Contra dores, queimaduras, torcicolos, torceduras, reumatismos, contusões, um remédio eu já usei e pronto alívio encontrei, com Pronto Alívio Radway. Meu Deus, pensei, o que seria o Radway? Não tinha a mínima idéia, mas me lembrei de que na Rádio Farroupilha eles cantavam “raduei” e tudo ritmava direitinho. Quando eu me queimei aquela noite com aquela busca-pé na noite de São João, o doutor passou o tal remédio na minha queimadura, e eu senti um friozinho gostoso que aliviou a dor. Só não aliviou a dor dos cascudos que a vovó me aplicou, dizendo que era bem feito. O gaiola parou, esperando a passagem de outro bonde pelos trilhos da frente. Uma guria da minha idade sentou-se à minha frente. Grudei nela e fiquei um baita tempo secando, só para ver se ela me dava bola (...) Continua na próxima postagem.
A última viagem de bonde
Desci a Rua Clara até a Rua da Parais e corri em direção à parada de bonde, o frio castigando as pernas por causa das calças curtas. Em seguida ouvi o rangido do bonde Gasômetro. Era um bonde Gaiola, cantando e dançando sobre os trilhos.
Tem lugar, vamos dar um passinho ao fundo do corredor, repetia o motorneiro. Não dei bola e sentei-me num banco lateral da frente, de onde podia bisbilhotar os outros passageiros. Para me distrair comecei a ler os reclames afixados no bonde. Lá estava o xarope Bromil, o amigo do peito. E eu, que tinha chiado no peito, fiquei a matutar se algum dia ainda consideraria o Bromil tão amigo quanto o Heron, meu colega da quarta-série e filho de um cobrador de bonde. Aquele sim, era meu amigo do peito. A gente matraqueava até nas aulas de religião. Também, quem poderia agüentar quieto o padre Horácio, mais xarope do que o tal de Bromil
O bonde parou em frente à Pharmacia Carvalho. Na fachada havia reclame da Tomada São Lázaro, um santo remédio. Mas como é que um remédio podia ser santo? Só que o São Lázaro fazia tomada, e o padre Horácio benzia as latinhas. Vi de relance a mulher da Pharmacia Carvalho, bem bonita, apesar de já ter mais de 20 anos.
Continuei lendo os reclames. Contra dores, queimaduras, torcicolos, torceduras, reumatismos, contusões, um remédio eu já usei e pronto alívio encontrei, com Pronto Alívio Radway. Meu Deus, pensei, o que seria o Radway? Não tinha a mínima idéia, mas me lembrei de que na Rádio Farroupilha eles cantavam “raduei” e tudo ritmava direitinho. Quando eu me queimei aquela noite com aquela busca-pé na noite de São João, o doutor passou o tal remédio na minha queimadura, e eu senti um friozinho gostoso que aliviou a dor. Só não aliviou a dor dos cascudos que a vovó me aplicou, dizendo que era bem feito. O gaiola parou, esperando a passagem de outro bonde pelos trilhos da frente. Uma guria da minha idade sentou-se à minha frente. Grudei nela e fiquei um baita tempo secando, só para ver se ela me dava bola (...) Continua na próxima postagem.
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