sábado, 11 de junho de 2011

O rio, o bonde e o celular (parte 1)


Já falamos aqui dos bondes como veículos inspirativos, pensando neles, artistas escreveram marchinhas de carnaval, poemas, crônicas, etc. O certo é que não só no passado isso ocorreu, ainda hoje temos exemplos de pessoas que se inspiraram nos antigos trilhos da cidade. Abaixo uma crônica de um dos nossos amigos escritores, Jacson Ramires. Boa leitura e agradecemos a contribuição!

 

O rio, o bonde e o celular


                         (Jacson Ramires Abs da Cruz)

O rio, calmo, respeitava os limites de suas margens e se aninhava em seu leito. A ausência de qualquer brisa o fazia um silencioso espelho. Refletia o debilitado sol que já se deitava em uma de suas margens. Pouco sol e uma temperatura amena marcavam uma daquelas tardes outonais da velha Porto Alegre, às margens do Guaíba.
Mas aquele sepulcral silêncio de repente era transformado no estrepitar barulhento do ferro sobre ferro. Era o bonde da linha Gasômetro que já fizera a última de suas curvas em tão extensa linha. E se aproximava do fim.
Passara dos trilhos duplos para o simples e chegava à esquina da Rua Bento Martins, seu momento de repouso, ponto final daquela linha. O chiar de seus freios ouvia-se a distância. Depois, a parada. Voltava a imperar o silêncio do rio.
Só quem estivesse próximo daquele “maratonista de ferro” podia ouvir o barulho feito por seu motorneiro ao retirar duas partes de seus comandos levando-as para a outra extremidade, ou outra frente do bonde.
Ao mesmo tempo, o cobrador baixava a alavanca que ligava o bonde ao fio elétrico que o acompanhava em toda a linha, possibilitando-lhe chegar ao destino. De imediato, acionava a outra alavanca lutando por uma boa pontaria que lhe permitisse colocar a roldana no fio que alimentava aquele garboso “coletivo de ferro”. O sucesso naquela difícil tarefa autorizava motorneiro e cobrador a sentarem-se em qualquer dos bancos para um justo repouso. Permaneciam fitando o rio como se ali recobrassem energias para a próxima viagem.
Volta e meia o motorneiro olhava seu relógio. Não podia iniciar a viagem nem antes nem depois do horário. O erro criaria problemas no chegar ao Mercado. Poderia ser punido pelo fiscal que lá estava a controlar o trabalho daqueles homens. Todos uniformizados, sofriam com o rigor do verão, e do inverno. Mas ali estavam, altaneiros, levando a comunidade de um lado para outro. Era uma luta cobrar os pingentes, pessoas que viajavam agarradas nos balaustres das portas, digo, das entradas e saídas porque os bondes não tinham portas.

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